sexta-feira, 13 de abril de 2012

Forrageira de alta qualidade, um insumo escasso no nosso meio?



Ao fazer-se uma comparação com as condições de produção leiteira nos países de clima temperado, a forrageira de alta qualidade parece-nos ser o fator de produção mais difícil de ser alcançado.
          Os demais componentes necessários para maior produtividade, como os alimentos concentrados, os suplementos especiais (como gordura e proteína protegidas da fermentação no rúmen), minerais quelatados, os aditivos em geral, os equipamentos e maquinário, a somatotrópica, a genética, os medicamentos e, mesmo, a capacitação da mão-de-obra e seu gerenciamento, enfim, todo e qualquer aspecto adicional de infra-estrutura e insumos que propiciem o bem-estar da vaca de boa produção leiteira e garantam a qualidade do leite, nós podemos, com maior ou menor empenho e dificuldades, produzir e reproduzir, satisfatoriamente, nas nossas diversificadas condições de exploração.
           Entretanto, por razões climáticas, a produção de forrageiras das regiões temperadas, com teor de FDN (fibra em detergente neutro) não superior a 50% da matéria seca (MS) da planta, fica restrita aos períodos de outono-inverno, especialmente na Região Sul.

O que é FDN? 
         Atualmente, o teor de FDN da forrageira é o melhor critério de avaliação de sua qualidade nutritiva. A análise laboratorial da FDN resulta num resíduo obtido pela extração dos componentes solúveis (açúcares, proteínas, amido, lipídeos, vitaminas e pectina) através da digestão do material vegetal com um detergente neutro. Esse resíduo é composto por substâncias da parede celular da planta, a celulose e a hemicelulose, com maior ou menor incrustação de lignina (um polímero resistente à fermentação no rúmen). Afora a pectina, que também faz parte da parede celular, mas é solúvel, as demais substâncias dissolvidas pelo detergente neutro são componentes do conteúdo celular da planta.

A FDN de uma forrageira afeta a sua ingestão pela vaca 
         Um teor de FDN de menos de 50% na MS é o fator primordial do maior potencial de consumo que uma forrageira de clima temperado apresenta, por duas razões básicas: em primeiro lugar, um baixo teor de FDN na planta corresponde a um maior teor de nutrientes do conteúdo celular, os acima mencionados, de rápida digestão, e, em segundo lugar, um baixo teor de FDN significa também que a celulose e a hemicelulose da parede celular apresentam taxa de fermentação mais rápida no rúmen, devido a sua menor lignificação. A maior taxa de fermentação da fibra vegetal contribui decisivamente para diminuir a repleção do rúmen, o que estimula o animal a realizar novas refeições, aumentando o consumo e sua produção.
         Essas forrageiras, denominadas também de plantas C3 (em razão de a molécula inicial, formada na fotossíntese, apresentar 3 átomos de carbono) toleram baixas temperaturas e menor luminosidade, sendo exemplos a alfafa, o azevém, a aveia, os trevos. 
         Por outro lado, as gramíneas tropicais, que são plantas C4 (a molécula inicial na fotossíntese apresenta 4 carbonos), como o capim-elefante, as espécies de Panicum, as braquiárias, os Tiftons, etc., têm maior potencial de crescimento, mas são de lenta taxa de fermentação no rúmen, devido ao seu maior teor de lignina, presente tanto nas folhas como nos seus colmos.

A limitação das gramíneas tropicais 
         A lignina é a substância que, quando em maior concentração, garante a rigidez dos tecidos, necessária para o porte geralmente ereto das gramíneas tropicais, aspecto importante para um rápido desenvolvimento nos períodos de ambiente favorável dos trópicos (suficiente umidade, altas temperaturas e muita luminosidade). Como consequência desse rápido crescimento, a grande maioria das gramíneas C4 apresenta menor teor de FDN somente durante um período relativamente curto.
         De modo geral, o teor de FDN dessas gramíneas, quando oferecidas aos animais, situa-se bem acima de 55% da MS, o que restringe o seu consumo pela vaca leiteira, basicamente devido à lenta fermentação no rúmen, resultando em períodos mais longos de enchimento gástrico.

A importância da fibra e seu efeito no consumo 
         A alta demanda energética da vaca em lactação é atendida pela suplementação com alimento concentrado, todavia, como ruminante, sua dieta requer um nível mínimo de FDN, ao redor de 25 % da MS. A fibra vegetal, com suficiente estrutura física (tamanho de partícula), é necessária para o funcionamento normal do rúmen, estimulando a ruminação e a decorrente produção de saliva, para a neutralização da acidez produzida pela fermentação. Para garantir a fibra estruturada no rúmen, 75 % dessa FDN deverá ser de origem forrageira. 
         Em termos mais práticos, isso significa que, não muito menos que a metade da dieta total ingerida deverá ser proveniente da planta forrageira, a qual, para altas lactações, necessita ter sua ingestão maximizada, de modo a suprir a elevada exigência energética, o que demanda forrageiras com teores de FDN abaixo de 50% na MS.
         Avaliando-se os resultados de muitas pesquisas, constatou-se que uma vaca consome, mais ou menos, o equivalente a 0,9 % do seu peso na forma de FDN proveniente de forrageira, ou 1,2% do seu peso na forma de FDN da dieta total (portanto, incluindo a FDN do concentrado). Por exemplo, uma vaca de 650 kg consumiria, então, ao redor de 5,9 kg de FDN de forrageira (650 kg x 0,9%). Essa relação entre um percentual do peso e o teor de FDN da forrageira permite uma estimativa do seu potencial de consumo e esses valores não são totalmente rígidos, podendo apresentar uma certa variação. 
         Portanto, se uma forrageira contém 50% de FDN na MS, uma vaca em lactação, de 650 kg, poderia ingerir até 11,8 kg de MS da mesma (5,9 kg FDN/50% de FDN na MS). Porém, se o teor de FDN de uma forrageira tropical fosse de 75% na MS, seu potencial de consumo seria de, no máximo, 7,8 kg de MS, ou seja, de 4 kg de MS a menos, e isso poderia resultar numa grande diferença no aporte de nutrientes ao animal. Na prática, quando do emprego de grandes quantidades de concentrado, o potencial de consumo das forrageiras dificilmente é alcançado, pelo efeito substitutivo negativo do alimento concentrado.

Como a forrageira de alta qualidade faz a diferença
         Para produzir 45 litros/dia, o consumo diário de MS da vaca de 650 kg não chega a ultrapassar os 24 kg, mesmo se a dieta apresentar, apenas, 25 % de FDN (resultando num consumo de, no mínimo, 6 kg de FDN). Daí, a ingestão máxima de concentrado (com 12% de FDN na MS), não deverá exceder 13 kg de MS/dia, o que corresponde a 1,5 kg de FDN proveniente do concentrado (13 kg MS x 12% FDN).
         Como já visto, para manter o rúmen funcionando normalmente, no mínimo 4,5 kg da FDN dessa dieta (75%) deverão ser da forrageira (6,0 kg de FDN total – 1,5 kg de FDN do concentrado). Se a forrageira for de qualidade sofrível, com FDN de 65% na MS, seu consumo estimado será de, apenas, uns 7 kg de MS (4,5 kg FDN/65% FDN), porém se esse volumoso apresentar 40% de FDN, o consumo alcançará 11 kg de MS (4,5 kg FDN/40% FDN), ou seja, uns 4 kg de MS a mais, possibilitando à vaca de 45 l/dia realizar seu potencial de consumo total de 24 kg de MS (13 kg do concentrado + 11 kg da forrageira) o que, novamente, para a vaca, implicará em grande diferença.
         No caso de se tentar fornecer a essa vaca uma dieta com forrageira de baixa qualidade, não será possível “compensar” sua baixa ingestão com mais concentrado, o que, além de ser antieconômico, afetará a saúde do rúmen, causando queda do teor de gordura do leite e acidose. Na verdade, em tais condições fisiológicas de acidose de rúmen, o consumo máximo de alimento nunca será alcançado, pois, além de inibir o apetite, o excesso de concentrado deprime o consumo da forrageira. 
         Pelos cálculos simples e aproximados dos exemplos acima, podemos ver que uma forrageira é de alta qualidade, isto é, de grande consumo, quando seu teor de FDN for inferior a 50% da MS da planta. 
         A máxima ingestão dessa forrageira é essencial nas dietas para alta produção leiteira, para fornecer a fibra necessária ao funcionamento normal do rúmen, e, concomitantemente, prover - através do maior teor de nutrientes solúveis - a energia demandada pela alta produção, com economia de concentrado e dos ingredientes e aditivos especiais (bicarbonato de sódio).

A opção de forrageira tropical de alta qualidade
         A esta altura caberia a pergunta: além da alfafa, aveia, azevém, trevos e demais leguminosas, cujos cultivos apresentam restrições climáticas, existiria uma outra opção de gramínea C4, com um teor de FDN que se aproxime do baixo teor das forrageiras C3 e que seja capaz de ser produzida, de modo sistemático e com alta produtividade, em situações climáticas diversificadas?
         A resposta é afirmativa, seria a planta inteira de milho, usando-se o híbrido mais adequado a cada região, colhido no ponto certo.
         Todavia, para que essa forrageira, originária dos trópicos, apresente um teor de FDN inferior a 55%, na forma de silagem, além do ponto de corte, a técnica de conservação deverá ter cuidados especiais, o que mereceria uma discussão específica em outra oportunidade.
 
Saiba mais sobre o autor desse conteúdo:
Paulo R. F. Mühlbach    Porto Alegre - Rio Grande do Sul